Aprendizado do brasileiro é pior do que o de estudantes das nações da OCDE
ANDRÉA JUSTE
A matéria do dia já está no quadro negro, às 8h40. Cinco minutos mais tarde, o professor de matemática José Márcio de Oliveira entra na sala do segundo ano do ensino médio da Escola Estadual Técnico Industrial Professor Fontes, no bairro Cidade Nova, região Nordeste de Belo Horizonte. Outros três minutos se passam até que os alunos adolescentes entrem. E pelo menos mais dois minutos até o professor, enfim, conseguir a atenção dos estudantes. Dos 50 minutos previstos de aula, restam 40 para que ele passe o conteúdo da disciplina.
Oliveira não está sozinho nessa luta contra o relógio acompanhada pela reportagem. Uma pesquisa do Banco Mundial (Bird) revelou que, em média, pouco mais de um terço (34%) da aula de 50 minutos no Brasil é consumido com atividades burocráticas - disciplina, chamada e distribuição de tarefas. A avaliação foi feita nas escolas estaduais de Minas Gerais e Pernambuco e municipais do Rio de Janeiro, em 2008 e 2009.
Segundo a pesquisa, coordenada pela economista principal do Banco Mundial para Educação na América Latina, Barbara Bruns, 66% do tempo destinado ao conteúdo, em média, está abaixo do percentual encontrado nas nações da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Nesses países, 85% do tempo é usado para o aprendizado. Enquanto no Brasil a média de tempo de aprendizagem é de 33 minutos, nos países da OCDE, é de 42 minutos e 30 segundos.
Indisciplina. Entre um pedido para beber água, outro para ir ao banheiro e diversas intervenções para chamar a atenção dos adolescentes, Oliveira consegue explicar a resolução dos exercícios. Segundo ele, as quatro aulas semanais são insuficientes. "O ideal seriam seis", opina. Mesmo assim, ele opta por fazer a chamada diariamente. "(Isso) me permite visualizar as ausências, saber se existe algum problema", conta. Ele sugere, porém, que é possível otimizar esse tempo, conferindo a lista do professor anterior.
Descaso. Na opinião do economista Gustavo Ioschpe, especialista em economia da educação, os estudantes brasileiros são tratados com descaso pelo sistema educacional. "Nos países em que a educação dá certo, há um comprometimento maior com a ideia de que o aluno precisa aprender e de que a escola e seus profissionais devem ser cobrados por isso", fala.
"Estamos aferrados à ideia de que o importante é colocar a criança na escola, e pronto, e que não é possível se esperar muito do sistema educacional por conta da pobreza do país, o que é uma enorme mentira", alerta Ioschpe.
Carga horária
Congresso. Está em votação um projeto de lei que aumenta de 800 para 960 horas anuais a carga horária para os ensinos fundamental, médio e infantil. O texto prevê ainda aumentar a frequência mínima de 75% para 80%.
Alternativas
Tecnologia ajuda a ganhar tempo
O uso da tecnologia pode ajudar a contornar o tempo gasto com as atividades burocráticas. O colégio Pitágoras, unidade do bairro Cidade Jardim, na região Centro-Sul de Belo Horizonte, por exemplo, oferece recursos multimídia aos professores, para que não precisem escrever no quadro a todo momento. Para Francisco de Assis Assunção, professor de matemática, é interessante não escrever tanto no quadro para tentar preservar a atenção dos adolescentes.
Para ganhar tempo e conteúdo, o Pitágoras também disponibiliza os deveres no site da escola. "Tem uma pasta que passa na sala e onde o professor anota as tarefas. Depois, o conteúdo
Professor Fontes, diz que o colégio é "até privilegiado" porque conta com recursos de data show. "Temos quatro (equipamentos) data show que podem ir para sala de aula, com notebook, e estamos tentando adquirir outros dois", disse. Cristina lembra, entretanto, que o bom professor deve saber como cada pessoa aprende. "Tem aluno que precisa registrar. Outros aprendem ouvindo".
Com ou sem tecnologia, o especialista em educação Gustavo Ioschpe alerta que os professores precisam ter interesse em melhorar. "Todo professor, por pior que seja sua formação e por menos apoio que tenha da direção da sua escola, pode fazer com que menos tempo de sua aula seja gasto em atividades irrelevantes para o ensino", afirma. (AJ)
Indisciplina
Docentes devem criar regras e "combinados" com cada turma
A aula de produção de textos do Colégio Pitágoras, unidade do bairro Cidade Jardim, no quarto horário de quinta-feira, desperta o interesse da maioria dos alunos. Mas a reportagem flagra aqueles que insistem em buscar distrações – mexer no celular ou até tirar um cochilo, debruçado na carteira.
O professor Francisco de Assis Assunção faz diversas interrupções para atrair a atenção de todos. Algumas vezes, nem mesmo precisa interromper sua fala e apenas olha com seriedade para os estudantes que atrapalham o andamento da aula.
Assunção diz que é comum os alunos terem momentos de desconcentração. "É normal o aluno dispersar, pois alterna momentos de interesse. As retomadas (de raciocínio) acontecem a todo instante", explica. "O rendimento vai depender da matéria e da turma, que pode estar dispersa. E também do jeito que o professor conduzir a aula", justifica uma aluna.
Para o professor de matemática José Márcio de Oliveira, da Escola Estadual Professor Fontes, no bairro Cidade Nova, os jovens estudantes não se preocupam em aprender porque não têm "noção do futuro". "Eles não sabem por que têm que estudar matemática, por exemplo. Falta a contextualização da escola na vida deles. Eles precisam entender as profissões do mundo, ter perspectiva, pois muitos sonham é em ganhar um salário mínimo", afirma. Ele defende que a escola em tempo integral pode ajudar a formar melhor esses jovens. "O rendimento em sala depende do comportamento da turma e varia muito do professor, do jeito que ele se impõe e determina o tempo para a aula", fala um estudante da Professor Fontes.
A diretora do Pitágoras da Cidade Jardim, Cristina Durzi Sarsur, acredita que toda escola enfrenta problemas com a falta de disciplina dos alunos. "Nós reforçamos a liderança do professor. É preciso dar condições de trabalho. Ele é o responsável pela transmissão de conteúdo", explica a diretora. Para ela, cada professor deve ter "combinados" e regras com as turmas.
Cristina ressalta, porém, o silêncio em sala não significa atenção dos jovens. "Disciplina é fazer com que o aluno faça o que deve no momento certo", explica. Além disso, afirma, o comprometimento da família é fundamental para que o aluno tenha interesse em aprender. "Se o estudante vir o pai lendo, a mãe estudando, vai valorizar a escola. Se tem motivação, sabe que precisa estudar para melhorar sua qualidade de vida". (AJ)
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